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As Sete Últimas Palavras de Cristo na Cruz figura entre as mais belas, profundas e incomuns obras de Haydn. Ele mesmo nos explica as circunstâncias que o levaram à sua composição:
“Há uns quinze anos recebi um pedido de um sacerdote de Cádiz [cidade da Andaluzia] para compor música instrumental sobre as Sete Últimas Palavras de Nosso Salvador na Cruz. Era costume em Cádiz produzir todo ano um oratório durante a Quaresma.
O efeito desta apresentação era intensificado pelo cenário que era montado. As paredes, janelas e pilares eram cobertas com panos pretos e somente um grande candelabro pendurado no centro do teto quebrava a solene escuridão. Ao meio-dia, as portas eram fechadas e a cerimônia começava.
Depois de uma breve oração, o bispo subia ao púlpito, dizia a primeira palavra e fazia um breve sermão sobre ela. Depois deixava o púlpito e se ajoelhava diante do altar. A orquestra então tocava o primeiro Adagio. O bispo prosseguia desta maneira, dizendo a segunda palavra, a terceira e assim por diante. A orquestra se seguia à conclusão de cada discurso.
Minha composição era sujeita a estas condições e não foi nada fácil compor sete adágios, durando dez minutos cada, que se sucediam, sem cansar os ouvintes; na verdade, achei impossível me ater aos limites estabelecidos.”
Uma observação importante: as cerimônias da Sexta-Feira Santa não aconteciam na Catedral de Cádiz, mas sim na Capela de Santa Cueva, uma caverna feita em uma colina atrás da Catedral, em quase total escuridão.
A obra
A versão original da composição data de 1786 e foi escrita para grande orquestra. Teve tanto sucesso que logo vieram outras versões: para quarteto de cordas, para orquestra e coro (com texto composto especialmente) e uma redução para piano autorizada pelo compositor.
A primeira apresentação em Cádiz ocorreu em 6 de abril de 1787. Uma indicação da fama de Haydn naquela época reside no fato de a obra ter sido executada quase que simultaneamente em Viena e em Bonn, em fins de março, portanto antes da “estreia” em Cádiz!
Haydn dividiu o trabalho nas seguintes partes (texto em Latim, como na versão apresentada no vídeo):
Versão em português:
O nono e último movimento, Terremoto, refere-se à descrição de Mateus 27:51 e 27:54:
51 E eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a terra tremeu e as pedras se partiram…
54 O oficial e os soldados que estavam com ele guardando Jesus, ao notarem o terremoto e tudo que havia acontecido, ficaram com muito medo e disseram: “Ele era mesmo Filho de Deus!”
Desafio
A respeito do comentário de Haydn, acima, sobre sua obra – “não foi nada fácil compor sete adágios, durando dez minutos cada, que se sucediam sem cansar os ouvintes; na verdade, achei impossível me ater aos limites estabelecidos” –, o comentarista Eric Bromberger afirma:
“O desafio para ele era de capturar o espírito destas palavras solenes, mantendo o interesse dos ouvintes ao longo de sete movimentos lentos. Ele o enfrentou de diferentes maneiras: criando fortes contrastes entre o caráter das partes (algumas são líricas, outras lamentosas, outras dramáticas), usando uma ampla gama de tonalidades (inusitado na época), e sonoridades contratantes – cordas em surdina em um movimento, pizzicato em outro. Emoldurou os sete movimentos lentos com a Introdução solene, Maestoso ed Adagio, e o Terremoto final, marcado Presto e con tutta la forza.”
Uma curiosidade final: o padre que encomendou a composição, Don José Sáenz de Santa María, pagou Haydn de uma maneira original – mandou-lhe um bolo… recheado de moedas de ouro.
Haydn – As Sete últimas Palavras de Cristo na Cruz | Le Concert des Nations, Jordi Savall (regente)