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MÚSICA DE CÂMARAShostakovich

Shostakovich – Quarteto nº 8, Op. 110

O Quarteto nº 8 em Dó Menor, Op. 110, é a obra mais querida e mais frequentemente executada de Shostakovich, a despeito de seu caráter sombrio e trágico.

Foi escrito em apenas três dias, de 12 a 14 de julho de 1960, nos arredores de Dresden (que, na  época, fazia parte da Alemanha Oriental). O centro de Dresden – uma maravilhosa cidade barroca, conhecida como “a Florença  do Norte” –, foi arrasado na Segunda Guerra Mundial pelos norte-americanos e ingleses.

Shostakovich estava em Dresden para escrever a trilha sonora do filme Cinco Dias e Cinco Noites, sobre a destruição da cidade, fato que o tinha afetado muito. Por esse motivo, ele dedicou seu Quarteto à memória das vítimas do nazismo e do fascismo.

Aquele foi um tempo de profunda depressão para Shostakovich. Ele foi obrigado a filiar-se ao Partido Comunista – um duro golpe para o compositor, que já tinha sido vítima do Partido, que o tratava em um sistema de “morde e assopra”, com prêmios e ameaças. Outro fator para sua depressão foi o diagnóstico do início de uma esclerose amiotrófica lateral (ELA), que teria graves consequências.

A depressão de Shostakovich tem sido objeto de muita discussão. Correspondências e outros documentos nos dão vária pistas, como nesse excerto de uma carta escrita pelo compositor a Isaak Glikman, em 19 de julho de 1960:

“Estive pensando que, mais dia, menos dia, vou morrer. É improvável que alguém escreva um livro em minha memória. Resolvi então escrevê-lo eu mesmo. Na capa estaria  escrito simplesmente: ‘Dedicado à memória do compositor deste quarteto’.

O tema principal do Quarteto é o motivo D, Es, C, H, isto é, minhas iniciais (D, Sch)*. Temas dos meus trabalhos e da canção revolucionária Atormentado pelos sofrimento da prisão são usados em meu quarteto. Os meus temas são provenientes das seguintes [obras]: Sinfonia nº 1, Sinfonia nº 8, o Trio, o Concerto para Violoncelo e Lady Macbeth. Alusões a Wagner (Marcha Fúnebre do Crepúsculo dos Deuses) e Tchaikovsky (segundo tema do primeiro movimento da Sexta Sinfonia). Ah, sim – me esqueci da minha Décima Sinfonia. 

O ensopado final não é nada mau. A ‘pseudo tragédia’ do Quarteto é tal que, enquanto o compunha, derramei lágrimas como a urina depois de tomar seis cervejas.”

Seu amigo Lev Lebedinsky escreve:

“Shostakovich de fato pretendia que o Quarteto fosse o coroamento, o somatório de tudo o que havia escrito. Era sua despedida da vida. Ele considerava a filiação ao Partido uma morte moral e também uma morte física. Em Dresden, tinha comprado uma grande quantidade de pílulas para dormir. No dia em que voltou da cidade, tocou o Quarteto para mim ao piano e me disse, com lágrimas nos olhos, que aquela era sua última obra. Insinuou a possiblidade de se suicidar. Talvez esperasse, subconscientemente, que eu pudesse salvá-lo. Consegui tirar as pílulas de sua bagagem. Passei alguns dias acompanhando-o de perto, até sentir que o perigo havia passado.” 

(*) Na nomenclatura alemã, estas letras significam: D=Ré, Es=Mi Bemol, C=Dó, H=Si.

Nota: a respeito do Quarteto nº 8, achei melhor contar sua história do que comentar sua música.

Shostakovich – Quarteto nº 8 em Dó Menor, Op. 110 | 1. Largo; 2. Allegro molto; 3. Allegretto; 4. Largo; 5. Largo | Emerson String Quartet

Acho interessante comparar a versão do Allegro molto com a desse outro quarteto, cuja interpretação do primeiro violino, Janine Jansen, é muito intensa:

Janine Jansen (1º violino)  Sarah McElravy (2º violino), Julian Rachlin (viola) e Mischa Maisky (violoncelo)

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