A Cantata BWV 106, Gottes Zeit ist die allerbeste Zeit (O tempo do Senhor é de todos o melhor), é também conhecida como “Actus Tragicus”. Esta é uma das mais antigas cantatas de Bach, datando de 1707, ou seja, do período em que ele estava em Müllhausen e tinha 22 anos.
É, no entanto, reconhecida como uma de suas maiores obras. Alfred Dürr, uma autoridade no assunto, considera “Actus Tragicus” uma obra de gênio, de um nível tal que mesmo os grandes mestres raramente conseguem atingir. O jovem músico, de um só golpe, supera seus contemporâneos.
Como seu nome indica, “Actus Tragicus” é uma cantata composta para um funeral, mas não se sabe ao certo de quem. Seu tema central é o contraste entre o espírito do Velho e o do Novo Testamento – entre a Antiga e a Nova Aliança –, que contrapõe a ira de um Deus vingador ao amor e à misericórdia de Cristo.
A obra se inicia com uma Sonatina para duas flautas doces, duas violas da gamba e baixo contínuo. Estes são, aliás, os únicos instrumentos usados na Cantata, que possui uma orquestração muito modesta, mas extremamente eficaz.
A primeira parte se refere à Antiga Aliança. O Coro inicial fala de nossa total dependência de Deus, na vida e na morte. No Arioso, o tenor suplica: “Ach, Herr, Lehre uns bedenken” (Senhor, ensina-nos a aceitar que devemos morrer). À essa súplica responde, severo, o baixo: “Bestelle dein Haus” (Põe tua casa em ordem).
Um maravilhoso Terzetto (coro) combinado com um Arioso do soprano é o movimento central da obra e marca a transição da Antiga para a Nova Aliança. O coro entoa a sombria advertência “Es ist der Alte Bund Mensch du Musst sterben” (Esta é a antiga lei: homem, tu deves morrer).
É neste ponto que intervém a voz extática, angelical do soprano: “Ja, komm, Herr Jesu” (Sim, vem Senhor Jesus).
O dueto seguinte usa duas das últimas palavras de Cristo na cruz. Diz a alma do fiel, “In deine Hände” (Em tuas mãos entrego o meu espírito), e Cristo responde, “Heute, heute wirst du mit mir im Paradies sein” (Ainda hoje estarás comigo no Paraíso).
O coro final, cheio de luz e de júbilo, é um hino de louvor à Santíssima Trindade, que conclui: “A força divina nos faz vitoriosos, por Jesus Cristo. Amém”. Isto nos lembra as palavras de São Paulo: “Tragada foi a morte pela vitória. Onde está, ó morte, tua vitória? Onde está, ó morte, teu aguilhão?”.
Bach – Cantata BWV 106, “Actus Tragicus” | Marcus Klein (soprano), Raphael Harten (contralto), Marius van Altena (tenor), Max van Egmond (baixo); Coro de Meninos de Hannover dirigido por Heinz Hennig; Colegium Vocale Gent dirigido por Philippe Herreweghe; e Leonhardt-Consort. Direção Geral: Gustav Leonhardt.