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O musicólogo inglês Eric Sams é o autor de Schumann Como Compositor de Lieder, obra de referência sobre as canções de Robert Schumann. Seu ensaio introdutório serviu de inspiração para abordarmos o rico e complexo universo do Lied do compositor.
As canções estão entre as primeiras obras compostas por Schumann, aos 17 anos, e entre suas últimas, dois anos antes de ser internado em um asilo de doentes mentais em 1852. Neste período de 25 anos, há duas fases de intensa produção: 1840, o chamado Annus Mirabilis (Ano miraculoso) da canção de Schumann, e 1849.
Vamos ouvir uma de suas primeiras canções, Im Herbste (No Outono), de 1828, cuja letra diz:
“Retira-te, Sol,
Flores, secai,
Cala-te pássaro,
Para que a luz,
O canto e a floração
Venham só de mim!”
Schumann – Im Herbste | Thomas Hampson (barítono) e Geoffrey Parsons (piano)
O papel do piano
Schumann habitualmente fala de obras vocais ou obras para voz, nunca como se as palavras ou mesmo o timbre fossem significativos em si. Isso explica algumas indicações estranhas, como “para soprano ou contralto”, mas, acima de tudo, explica por que voz e piano partilham tão frequentemente a melodia.
Essa característica de Schumann tem sido criticada como uma fraqueza, mas é o contrário: já que o conceito do piano é o que vem primeiro, é a voz que toma emprestada a melodia do instrumento. Nesta partilha estão o coração e a força da canção de Schumann.
A melodia é sempre do piano. Se as partes vocais fossem perdidas, seria possível deduzi-las a partir das palavras e da linha do piano. Às vezes, a linha melódica é a mesma na voz e no piano; às vezes ela é variada, ou decorada frequentemente de maneira sutil na parte do piano, como em Aufträge (Mensagens), cujo trecho da letra reproduzimos aqui:
“Não tão depressa, não tão depressa pequena onda.
Quero dar-te uma mensagem para o meu amor.”
Schumann – Aufträge (Mensagens) | Peter Schreier (tenor) e Christoph Eschenbach (piano)
Música e poesia
Se o piano tem a primazia e se a música é expressão do compositor e não do poeta, deduz-se que voz e verso são subordinados. Schumann dava a entender que considerava a poesia uma forma de arte inferior. “O poema”, dizia, “deve ser espremido como uma laranja para extrair dele o suco. Deve usar a música como uma coroa e ceder a ela como uma noiva”.
Em suas canções, o significado da música tem precedência sobre a poesia. Às vezes, as duas estão em fase; outras vezes, estão fora de fase e, aí, criam-se padrões e tensões. Ele escolhia poemas que espelhavam seus sentimentos ou que podiam ser ajustados a eles.
Na canção Ein Jüngling liebt ein Mädchen (Um jovem ama uma menina), o piano zomba da emoção da voz e a contradiz, com acentos nos contratempos:
“Um jovem ama uma menina
Que, porém, escolhe outro.
Este outro ama uma outra
E com esta enfim se casa.
Esta é uma velha história,
Mas se acontece com você,
Corta seu coração.”
Schumann – Ein Jüngling liebt ein Mädchen | Fritz Wunderlich (tenor) e Hubert Giesen (piano)
A natureza
A mente criativa, no Romantismo, quer abarcar todo o espaço, todo o tempo, todo o sentimento, toda a humanidade. Seu verdadeiro ideal não é apenas ser outra pessoa, mas todas as pessoas.
Este impulso do uno para o infinito se manifesta na identificação apaixonada com a natureza, um sentimento mais forte no Romantismo do que em qualquer outra era, e mais forte em Schumann, talvez, do que em qualquer outro compositor. Sua música é uma com o céu e a primavera.
Der Nussbaum (A Nogueira) é simples e bela. Uma nogueira em flor. A jovem a contempla. O vento suave acaricia as flores e as faz roçar umas com as outras. Elas sussurram uma canção de noivado a acontecer no ano que vem. A jovem adormece sorrindo e sonha.
Schumann – Der Nussbaum (A Nogueira) | Peter Schreier (tenor) e Christoph Eschenbach (piano)
É verdade que ele está mais à vontade no pequeno mundo das folhas, da chuva que cai, do canto dos pássaros, da mesma forma como está mais em casa no pequeno mundo do amor, do casamento e das crianças.
Schneeglöckchen (Sininhos de Neve) é um exemplo do carinho de Schumann pelo microcosmo na Natureza e pelas crianças. A canção faz parte de seu Álbum de Canções para os Jovens:
“A neve que ainda ontem
Caía do céu em flocos,
Hoje pende de hastes frágeis,
Como pequenos sinos.
Tocam os sininhos de neve,
No silêncio dos bosques,
Anunciando a primavera.”
Schumann – Schneeglöckchen | Dietrich Fischer-Dieskau (barítono) e Günther Weissenborn (piano)
Mas Schumann é também capaz de tratar dos grandes temas da Natureza, por exemplo, na grandeza severa com que canta as profundezas da noite ou do mar, como é o caso em Abends am Strand (Anoitecer na Praia):
“Sentados perto da cabana do pescador,
Olhávamos o mar,
A névoa da tarde lentamente
Se elevava para o céu.
Schumann – Abends am Strand | Christian Gerhaher (barítono) e Gerold Huber (piano)