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O universo da canção de Schumann – Parte 2: O amor

Na continuação de nossa série sobre o rico e complexo universo do Lied de Robert Schumann, inspirada pelo ensaio introdutório do livro Schumann Como Compositor de Lieder, de Eric Sams, apresentaremos canções em que o compositor explora o tema do amor.

A mente criativa, no Romantismo, quer abarcar todo o espaço, todo o tempo, todo o sentimento e toda a humanidade. Seu verdadeiro ideal não é apenas ser outra pessoa, mas todas as pessoas. Um caminho na busca da transcendência é o da renúncia: perder-se a si mesmo e renascer no amor de outrem.

 

Clara

A vida e a obra de Schumann são dedicadas a Clara Wieck. Não há declarações mais profundamente sentidas do que as canções de amor compostas para ela em 1840, ano de seu casamento. Os ciclos Liederkreis, Myrthen e Dichterliebe são algumas de suas melhores obras.

Em 1840, ano milagroso do Lied de Schumann, o compositor dá à sua noiva, como presente de casamento, a coleção Myrthen (Mirtos), da qual vamos ouvir a primeira canção, Widmung (Dedicatória):

 

Você, minha alma, meu coração,

Minha alegria e minha dor,

Você é o mundo em que vivo,

É o meu céu, onde flutuo,

Ó meu túmulo, ao qual

Minha tristeza para sempre eu entreguei!

 

Você é repouso, você é paz,

Você me foi dada pelo céu.

Seu amor por mim me dá valor,

Seus olhos me transfiguram nos meus,

Você me eleva amorosamente acima de mim mesmo,

Meu anjo da guarda, meu eu melhor!

 

Schumann – Widmung | Julian Prégardien (tenor) e Els Biesemans (pianoforte)

 

 

O disfarce

Naturalmente, há maneiras mais sutis de perder sua própria identidade. Por exemplo, assumindo papéis ou disfarces, tema muito caro a Schumann. 

Ele se fantasia nas canções com indisfarçável prazer, ora como um Grande de Espanha, ora como um contrabandista, ou um palhaço.

Schumann – Der Kontrabandiste (O Contrabandista) | Dietrich Fischer-Dieskau (barítono) e Höll Hartmut (piano)

Às vezes, ele inclui Clara na masquerade, como em Die Kartenlegerin (A Cartomante):

Schumann – Die Kartenlegerin (A Cartomante) | Anne Sofie von Otter (mezzo soprano) e Bengt Forsberg (piano)

 

Isolamento, rejeição, ciúme e culpa

Mas o disfarce muitas vezes se transforma no homem. A máscara adere à face. Schumann usa, em sua própria persona, o cenho franzido da tragédia. 

Muitas canções falam sobre o amor perdido e sobre o ciúme, como Stirb’, Lieb’ und Freud (Morrei, Amor e Alegria): 

 

Em Augsburgo, uma jovem piedosa 

entra na velha Catedral 

e se ajoelha diante da imagem de Maria: 

“Ó virgem imaculada, deixa que eu seja só tua.” 

Sem que ela se dê conta, 

surge uma coroa de lírios 

que cinge sua fronte.

 

(O Namorado): 

“Ó Deus, permita que esta doce criança 

use sua coroa em paz. 

Ela é minha amada 

e o será até o dia do Julgamento Final. 

Ela não sabe que meu coração está se partindo. 

Morrei, amor e luz.”

 

Schumann – Stirb’, Lieb’ und Freud | Peter Schreier (tenor) e Norman Shetler (piano)

 

A figura central de muitos Lieder é o pretendente rejeitado. 

A cena se passa frequentemente na festa de núpcias. A música é por vezes tão intensa que somos levados à conclusão de que uma emoção pessoal muito poderosa estava em jogo – com certeza a mágoa resultante do afastamento de Clara entre os anos de 1835/6.

Thomas Hampson canta a versão original de Das ist ein Flöten und Geigen (Ao toque da flauta e do violino), bem mais dissonante e com diferenças na parte do piano em relação à versão publicada mais tarde como parte do ciclo Dichterliebe.

 

Ao toque da flauta e do violino,
Ao som de trombetas retumbantes,
Dança, na roda nupcial,
A adorada do meu coração.

 

Schumann – Das ist ein flöten und geigen | Thomas Hampson (barítono) e Martha Argerich (piano)

 

A culpa e o sentimento de inferioridade que perseguiram Schumann durante toda a vida são também expressos em suas canções, como em Mein Schöner Stern (Minha bela estrela):

 

“Minha bela estrela, 

não deixes que tua serena luz 

seja turvada pela nuvem escura 

que trago dentro de mim.”

 

Schumann – Mein Schöner Stern | Peter Schreier (tenor) e Christoph Eschenbach (piano)

 

 

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